4 de abril de 2016

História da gravidade n.3



agora as imagens passam como canais de televisão: nenhuma delas se detém por mais de um segundo, a dúvida nos impelindo para a próxima e assim por diante. uma imagem consistente por vir, uma mais adequada aos propósitos da noite. a bicicleta no alto do morro. o lustre quebrado pela bola de futebol. a sandália de velcro arrebentada no chão da garagem. nada é suficiente para resumir o ponto necessário ao trabalho de hoje. o braço engessado. não. nenhum traço suficiente. talvez seja preciso desatar o nó que ainda nos prende à cena de ontem. o corpo recém-desperto na varanda de tijolos à vista. o ar desoladamente parado e, assim, tão favorável a qualquer movimento. enquanto entrávamos no ônibus para mudar de cidade. durou apenas um segundo, no máximo dois. por isso agora todas as imagens se projetam sob o mesmo regime, encadeadas por um signo que tenta repetir o impacto em cada milésimo de memória. a figura inerte aos modos de uma estátua que, em sua existência inabalável, exalta a potência do universo. fizemos de conta que era possível retomar o cotidiano, as fichas em branco e as canetas mordidas. o papel consumido como hóstia. mas aquele único segundo nos aflige desde então. fixado no fundo dos olhos como o resumo nuclear da nossa fantasia, o trecho de um sonho mal esquecido e mal lembrado. ainda que abandonemos a topologia dos acontecimentos para tratar apenas dos quadros recortados e pobres, dos gráficos rudimentares que associamos a breves comoções. como o gesto de oferecer a maca ao doente. como catalisar traumas e choques em porções de palavras.

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