30 de junho de 2015

Coisas perdidas em espaços delimitados


Voltar a esta casa depois de tanto tempo, depois de tudo, soa como ter esquecido uma série de objetos preciosos no quarto de um hotel. E só lembrar com pelo menos um país, talvez um oceano de distância. O par de meias grossas que usamos para dormir no inverno. O livro que ganhamos de presente e cuja dedicatória nos faz sentir menos solitários sobre a face da terra. O estojo de maquiagem retirado da mala na última hora para um ajuste milimétrico do tom da pele e abandonado sobre a pia. O cachecol de lã mesclada que usamos para compor nosso melhor retrato. Qualquer coisa de suma importância. A imagem do objeto esquecido, você deixando o quarto, a porta fechando pela última vez naquela cidade aonde provavelmente jamais retornará. Tudo isso comparado ao fato de voltar a esta casa, a esta familiar porém vaga configuração de paredes e assoalhos da qual vai brotando uma espécie de culpa auto dirigida, muito por conta da displicência que é própria do fato de estarmos vivos, tudo isso acaba por denegrir parte da viagem, a vinda, o primeiro plano da memória. Por outro lado, o conhecimento prático dos fatos nos concede uma réstia de esperança, projetada na falsa promessa do resgate, um resgate sempre atrasado e mal conduzido. Nesse ponto, a água começa a vencer o concreto.