7 de março de 2016

arrebentação



de longe parece que a onda deita em um movimento suave, dominado pelo excesso de cortesia. a onda se agrava e depois amolece, antes de arrebentar sobre a praia. mas a água é maior que a terra. a água empurra e assalta, serena violenta, para então virar paisagem. de longe parece que o pedaço de plástico é um peixe. você vai nadando até perceber que o peixe não se move, e fica sem fôlego para voltar. você boia ao lado do plástico, esticando os braços para agarrar qualquer coisa. mas a água é maior que o peixe. a água chicoteia e dilacera, se torna pedra, para então recuar. de longe parece que o barco maior vai engolir o menor. você senta para contemplar a catástrofe e queima a palma da mão na areia escaldante. o segredo é cavar mais fundo e tentar agarrar qualquer coisa. a mulher da barraca procura um número de telefone na lista amarela, cada folhinha tentando voar para fora do livro. estamos em 1992. meu dente está sujo de batom vermelho. a mulher grita agora, ou grita em outra cena que se mistura com a de agora. mordo um copo de cristal. de longe parece que a piscina está cheia. você traz um pote de xampu e começa a lavar o cabelo, mas a espuma faz o seu olho arder. ficamos cegos por alguns segundos e esticamos os braços para agarrar qualquer coisa, boiando na espuma da onda e do xampu. a mulher oferece uma toalha bordada com as iniciais G.R. e mergulhamos nossas cabeças no tanque, tampando o nariz com uma das mãos. os olhos vermelhos, mas abertos, os olhos muito aguados. damos a volta na casa e depois na quadra. damos a volta esticando os braços e tentando agarrar qualquer coisa no caminho. a mulher usa um rodo para drenar o assoalho. de longe parece que a água não machuca.



foto: tom beazley / tel aviv, 1940

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