28 de janeiro de 2016

memória-satélite


aos poucos a curva desaparece. já não é mais o lugar onde estacionamos o carro para trocar o pneu. o pneu furado em outra rua, em outro bairro. já não é mais o lugar onde a noite e o incidente pareciam criar um laço perpétuo. algo daquela cena se desprende e viaja a outra parte, flutua sobre a cidade em busca de novo endereço, até se acomodar no exato ponto onde agora estaciono o carro à luz do dia. então é aqui que estacamos. é desta pequena altura, de onde mal se pode formar uma imagem coesa do metro seguinte, é deste ângulo que vamos prosseguir. subo mais alguns lances, o suficiente para imaginar a vista aérea de um pequeno lago de carpas. exatos 90 graus. o olhar incide sobre os peixes, ligeiramente deslocados pela refração da luz na água. não demora para que o pequeno tanque se reduza ao tamanho de uma gota. são várias gotas derramadas em um trecho de cinco ou dez quilômetros. a escala do mapa se dilata a olho nu. subimos mais. agora a precária geometria da paisagem se assemelha à fórmula de um gigantesco composto químico. átomos de elementos radioativos se conectam por vias de mão dupla onde automóveis desviam de pequenas crateras, pessoas maldizem o trânsito, bicicletas pedem passagem. subimos. daqui é possível divisar apenas duas cores. a profusão desordenada de detalhes ficou para trás. a curva desaparece, enquanto uma segunda inclinação se desenha no horizonte. a borda do planeta. mais alto, onde tudo se apaga. a estratosfera.

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