21 de julho de 2014

Todo deslocamento é uma forma de catástrofe

Temos pressa. Vamos pelo ar, pela esteira turbulenta e volumosa, deixando para trás a monotonia dos viadutos, das pontes, das motocicletas. Abandonamos o asfalto, as dimensões tangíveis. Abrimos mão da sólida companhia dos arranha-céus. O barulho dos motores Rolls-Royce inunda parte da cidade com o mesmo efeito sonoro de uma sequência de trovoadas, reverberando sobre o oceano onde uma embarcação solitária emite sinais luminosos. Vai chover. Antes das primeiras gotas, mergulhamos na vasta massa de nuvens. O branco que passa veloz pelas janelas lembra um espetáculo de ilusionismo. Voamos a trinta mil pés. De uma só vez, as persianas caem para abafar a altitude, mas ainda é possível distinguir a curva acentuada para a esquerda. Entorpecidos pelo ar pressurizado, fechamos os olhos. Todos nós fechamos os olhos. Com a chegada da noite, passamos da condição visual para os instrumentos. Altímetro, velocímetro, tubos de pitot. A sincronia matemática dos aparelhos nos permite isolar a gravidade. Mas de um segundo ao outro, sem aviso prévio, todas as variáveis se misturam e já não é possível reconstituir os acontecimentos. O parafuso frouxo, o bombardeio inimigo. A pane do computador, o vazamento no tanque do combustível. O estol, o voo controlado em direção ao terreno. Um ângulo de ataque impossível. A rota de colisão. Primeiro a caixa preta.

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