29 de julho de 2014

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Deito no chão da sala, onde costumo ficar durante boa parte do dia sem nada nas mãos. Aqui deste ângulo, da altura do pó que a vassoura levanta, acompanho o estômago embrulhar com as horas em claro. Já são dezoito, talvez dezenove ou vinte, não contei. Acusa fadiga, fome, enjoo. A luz acabou por causa da água e do curto circuito. A última lembrança que tenho é do feixe azul cintilante. Um estrondo metálico. Encosto a cabeça no rodapé e deixo agir a gravidade da última noite, as horas assistidas de perto, minuto a minuto, palmo por palmo. Taquicardia. O olho vidrado testemunha o cão que ladra e embala o sono da vizinhança. Rolos e mais rolos de pensamento se agarrando uns aos outros como fios de cabelo a chiclete. Foi assim quando deixei a torre. Uma hora, duas, quatro. Apertava botões a esmo, acendia, apagava lâmpadas. Sacudia lençóis recém-lavados. Nada. O barulho da água nos tijolos mais nítido que nunca e o vulto no alto da passarela. Magda, Magda. Em outro estado, em outro fuso horário. Atravesso a madrugada. O desafio inane de manter-se vigilante, espécie de resistência sonâmbula à passagem das horas. Magda, Magda. Vinte e três, talvez mais. A água procura um buraco por onde escapar. Número de mortos em naufrágio sobe para 64.

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