3 de julho de 2014

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Ainda no chão da sala. Encosto a cabeça no rodapé e observo a mancha. Escura, desorientada, ela se espalha pelo canto onde uma bolha de mofo faz a tinta estufar. Desenho no ar o desenho da mancha. Lembra um gárgula, uma máscara, um pedregulho. Só descobri a mancha depois de arrastar os móveis para o centro do cômodo, porque tinha que percorrer o perímetro da casa com o ouvido rente à parede. Nos primeiros dias foi apenas para ter certeza. Depois passei a rabiscar linhas e setas sobre a tinta, mapeando o trajeto, o comportamento, os desvios modulares e as bifurcações. Tenho certeza de que um padrão começa no exato ponto onde está a mancha, a mancha como indicativo da represa. Mais que isso é difícil. Fiz de tudo para entender, para enquadrar os acontecimentos numa lógica razoável e assim perder o medo. Matemática, física, mecânica dos fluidos. Esquemas, cálculos, fórmulas universais. Setecentas folhas na impressão de postulados e teoremas. O teorema de Gödel sobre a incompletude. E só o que sei até agora é do rato dentro do cano dentro do tijolo dentro da parede. A água está descendo, posso ouvi-la. Sobe para 64 o número de mortos em naufrágio.

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