27 de junho de 2016

história da gravidade n.5


ainda é possível correr entre as poças que agora formam um gigantesco arquipélago às avessas, o asfalto aceso pelas luzes que se multiplicam nos desníveis onde a chuva acumulou. alguns carros embalados sobem a ladeira sem tomar conhecimento das estreitas porções de terra sobre as quais nos equilibramos em direção à outra margem / servimos o jantar na varanda de casa e, mesmo durante a noite, eu usava óculos escuros. os lábios sujos de molho vermelho. o copo de cristal ainda inteiro sobre a mesa. a roupa que eu mesma havia escolhido. foi nesse dia que derramei água pela primeira vez / cortamos o ar, desviando do oceano intermitente como um exercício a mais. os pulmões tentando dar conta daquilo que dispara / entramos pela porta dos fundos e ali mesmo tiramos os sapatos e as roupas encharcadas, incapazes de discernir se o corpo ficava mais gelado com elas ou sem. na cozinha acendemos as quatro bocas do fogão. eu olhava fixamente para as chamas azuis até que elas perdiam o foco e se assemelhavam a eclipses de astros luminosos / paramos sob a marquise de um supermercado que havia falido, mas na fachada ainda restavam os cartazes com as derradeiras ofertas: açúcar refinado pacote 1kg. ovos vermelhos a dúzia. cera para lustrar superfícies / saltamos sobre o último lago, atordoados por aquilo que dispara sem soar alarme. ainda é possível correr. o assombro é do tamanho da cena à nossa frente. como assistir a um parto. como jogar comida fora. como beber aguardente.

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