11 de abril de 2016

História da gravidade n.4



de novo a cratera nos olha, agora ofuscada pela fumaça que a circunda sem tocar as margens, semelhante a uma ilha de magma azul. faço de conta que posso caminhar sobre esta fumaça, sobre esta ponte movediça, tocando a névoa com a ponta de um dos pés até que o vapor acaba por ceder à densidade. volto a me sentar sobre a pedra, em frente a um horizonte mal delimitado em razão da sombra que recobre tanto terra quanto céu, fundidos por trás da película de água. foi nesta pedra que, há tanto tempo, nos reunimos para a refeição que coroou a escalada. era desconfortável caminhar sem saber para onde nem por quanto tempo. a trilha nos guiava de maneira duvidosa por trechos onde tudo o que restava era um fiozinho de terra seca entre dois oceanos. não por acaso, é agora que retomo a lembrança do dia em que fomos até a ponta da última praia, em direção ao sul, e voltei do passeio com a viva imagem de bruxas, cavalos com crinas trançadas e casebres de madeira frouxa.  o vulto que, no cintilar das ondas, ganhava ares sobrenaturais. fizemos uma fogueira em homenagem à noite, ainda que fosse dia. o balanço indo e vindo sem ninguém. o cálculo mal feito, o degrau jamais visto. como agrupar coleções de elementos. o lapso em seu nome. vestígios da máquina abissal: o cubo mágico.

4 de abril de 2016

História da gravidade n.3



agora as imagens passam como canais de televisão: nenhuma delas se detém por mais de um segundo, a dúvida nos impelindo para a próxima e assim por diante. uma imagem consistente por vir, uma mais adequada aos propósitos da noite. a bicicleta no alto do morro. o lustre quebrado pela bola de futebol. a sandália de velcro arrebentada no chão da garagem. nada é suficiente para resumir o ponto necessário ao trabalho de hoje. o braço engessado. não. nenhum traço suficiente. talvez seja preciso desatar o nó que ainda nos prende à cena de ontem. o corpo recém-desperto na varanda de tijolos à vista. o ar desoladamente parado e, assim, tão favorável a qualquer movimento. enquanto entrávamos no ônibus para mudar de cidade. durou apenas um segundo, no máximo dois. por isso agora todas as imagens se projetam sob o mesmo regime, encadeadas por um signo que tenta repetir o impacto em cada milésimo de memória. a figura inerte aos modos de uma estátua que, em sua existência inabalável, exalta a potência do universo. fizemos de conta que era possível retomar o cotidiano, as fichas em branco e as canetas mordidas. o papel consumido como hóstia. mas aquele único segundo nos aflige desde então. fixado no fundo dos olhos como o resumo nuclear da nossa fantasia, o trecho de um sonho mal esquecido e mal lembrado. ainda que abandonemos a topologia dos acontecimentos para tratar apenas dos quadros recortados e pobres, dos gráficos rudimentares que associamos a breves comoções. como o gesto de oferecer a maca ao doente. como catalisar traumas e choques em porções de palavras.