8 de janeiro de 2016

estática


então foi por isso que vendemos a casa, o balanço, as máquinas de derreter chocolate. vendemos a casa às pressas e nos dividimos em dois quartos escuros e úmidos e abafados em bairros opostos. dois quartos para dois espiões cujos disfarces acabam de ruir. cada um por si. foi por isso que jogamos fora a filmagem do último aniversário, o avião cortando o céu em zoom, a mão tremendo mais que a flor de hibisco. eu caí descendo a rampa, porque era preciso correr, e minha sandália arrebentou. no fundo da filmagem dá para ouvir o barulho do meu corpo desabando enquanto o avião deixa o quadro. jogamos tudo fora, foi por isso. o carro estava ligado sem ninguém dentro, como se nos esperasse para a fuga. e nos esperava. corremos para dentro, a fita na mão, a filmagem, a prova cabal da separação dos nossos bens. no console do carro havia um par de balas 7 belo amolecidas pelo calor. o volante sem trava. abrimos o teto solar. nossas malas de couro marrom fazendo volume por cima do banco de trás, dois retirantes sem mapa, as janelas cobertas com panos que projetavam um arremedo de sombra. então foi por isso. vendemos a casa e depois vendemos também o carro. vendemos o jogo de cama azul claro. vendemos o violão e os tênis de corrida. fiquei com parte da louça. estava lá na filmagem. a piscina de plástico. a mangueira. os carimbos e as almofadas de tinta. o motor fervendo. no quarto não cabia quase nada e era muito quente. nos livramos de tudo. chegamos ao fim. o fim que levou a fita.

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