27 de agosto de 2014

delonix regia

A casa não tinha mesa. Era uma daquelas casas em que os tijolos, o cimento e o reboco consomem todo o orçamento, restando pouco ou nada a oferecer pela mobília. Tentaram disfarçar a parca decoração com ideias acerca do uso do espaço, mas a verdade é que trocariam o discurso por um sofá. O homem tinha o hábito de tratar esse limite como parte de um projeto sempre provisório. Uma vez concluída a primeira construção, passariam a pensar na verdadeira casa - esta, sim, grandiosa. O dobro de andares, piscina, vista para a baía. No topo do morro, perto dos deuses. A garota mais nova se esgueirava pela casa temporária no meio da noite. Descia  a escada em espiral para admirar a planta baixa da mansão. Desenrolava o papel como se este fosse uma espécie de pergaminho milenar que o manuseio indolente poderia extinguir. Percorria com os olhos os corredores, os quartos espaçosos, as salas onde vislumbrava cadeiras douradas, lustres de cristal e até um piano. Enquanto isso, a chuva ameaçava derrubar o muro que os defendia da encosta, e assim o fez por duas vezes no mesmo ano, arrastando grandes quantidades de areia e barro alaranjado para cima do carpete.

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