27 de junho de 2014

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Seis e quarenta e três da manhã. Perdi a noite em uma atividade inútil: apertar todos os parafusos da casa, um por um. Prateleiras, armários, ganchos, gavetas, interruptores, quadros, dobradiças, hastes de alumínio sem finalidade aparente. Tudo em que foi possível dar mais algumas voltas, enterrando ao máximo a pequena espiral no concreto ou na madeira. Tesouras, latas de lixo, uma coleção de óculos, maçanetas, abridores de garrafa. Sem isso não conseguiria dormir. O rangido do metal frouxo açoitando o sono. A casa equilibrada sobre a última palafita. Apertei tudo, tudo, até o som seco sumir. Agora ficou o barulho da água dentro da parede, a água de sempre. A água como um rato habitando os escombros por trás do reboco, correndo daqui pra lá sobre as bordas do anfitrião numa forma ainda não catalogada de comensalismo. Nesse meio-tempo amanheceu. A luz que atravessa o papelão é a mesma luz que ontem se parecia com a lanterna da torre, indelével e de vasto alcance, mas só. Nenhum motor de carro ou tilintar de talheres. Nenhuma explosão. Além da água, apenas o assobio de um homem que sopra e no sopro transcreve um estranho relato sobre mulheres em vestidos de gala. A água, o assobio e no fundo de ambos o helicóptero que pousa no estacionamento. O exército. O ponto vermelho no canto da tela lembrando o ponto vermelho desaparecendo de outra tela. Chegam notícias para certificar o curso de novas tragédias, aqui e ali se abatendo sobre países de localização incerta. Mais de 16 corpos são resgatados após naufrágio. Serviu pra nada, ainda não durmo.

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